3 Tempos sobre Partos
Se todo parto é partida e toda partida é parto, o que sobra à poesia, que é parto e partida em um só corpo?
Esses três poemas, escritos em diferentes períodos da minha vida, são uma ode ao breve lapso da existência e a tudo que há fora dela.
I.
Existência, essa doença autoimune
Minha mãe não criou uma sobrevivente
como poderia, se ainda estava aprendendo a respirar?
Não se inspira alguém sem antes aprender a expirar
sem prender ar nos pulmões e ver que não é assim que se morre
sem enfiar a cabeça debaixo d’água e ver que não é assim que se vive sem se debater no afogamento e ver na angústia a superfície
Raios de sol cortando ao meio os Oceanos
como esperança, essa promessa que sequestra sonhos
os desdobra em planos
compartimenta os anos
e faz a vida parecer aragem,
passar por nós no intervalo de uma tarde
um suspiro no instante do contínuo
E é assim, nessa mentira bem contada
que a vida, maldição hereditária
se disfarça em um sopro suportável
e nos convence a inalar mais água
no mundo, esse aquário.
II.
O que sempre direi às minhas filhas
“Uma mulher sem perfume é uma mulher pelada”, mamãe sempre dizia.
Uma mulher pelada é uma mulher pura.
Uma mulher pura é uma mulher bonita.
Uma mulher bonita é qualquer mulher.
Qualquer mulher é uma mulher livre.
Uma mulher livre é uma mulher que se abre para o mundo. Uma mulher que se abre para o mundo é um mundo à parte. Um mundo à parte é onde questionam se existe vida. Onde questionam se existe vida é o imaginário. O imaginário é a mente.
A mente é onde nasce Deus.
Portanto,
não passem perfume.
III.
Onze de fevereiro de mil novecentos e sessenta e três ponto
Ostento o texto em meu pescoço como um pêndulo com seu ápice de ponta cabeça
como pernas escancaradas no ar
em trabalho de parto
tentando pôr no mundo
um verso natimorto
De cócoras, esperando a queda
acendo um cigarro sem usar as mãos baforo a névoa das 5 da madrugada
torço e me contorço
convulsionando e rezando
suplicando à vida que seja mais do que é
O padrão da psicodelia na ponta da língua e a verdade me confidencia um seio em segredo todo surto é um tipo de sonho
todo sonho é um pedido de socorro
e devíamos ser proibidos de sonhar
quando a depressão está ganhando a guerra
Ordeno a meu corpo que flutue
suspenso em um campo de girassóis até que a tinta amarela
– aquela mesmo, de Van Gogh –
me cubra os dois lobos
(frontais)
e os consuma em chamas.
Não há mais palavras a serem escritas e o texto não nasce
não há mais nada a ser dito
e o texto não nasce
não há mais nada a ser
e o texto não nasce
não há mais nada
e o texto
Você desconhece a dormência
do peso da existência
desconhece a cruz
desconhece o fardo
desconhece o parto
quando (re)conhecer, coloque o texto na manjedoura dê-lhe uma coroa de espinhos
e espere que seja a estrela
que trará incenso e mirra
a uma criação
que me salvará de mim
Nasce com algo amarrado no pescoço
que seja o cordão umbilical
por favor, o cordão umbilical
e não outro pêndulo
e não outro peso
e não outro texto.
Eu estava bêbada e tão brava aos vinte
meu último desejo era não ter bebido tanto era ter injetado lítio
era que o texto que pari naquela noite
não fosse um telegrama
de suicídio
Por favor, o cordão umbilical. E não outro
Victoria Tuler é Produtora audiovisual formada pelo Instituto Federal do Paraná e graduanda em Cinema pela Universidade Estadual do Paraná. Escritora dos mais diversos formatos. Autora de Poemas são como um soco, livro de poesia publicado pela Editora Multifoco, e roteirista do curta-metragem O Fim do Mundo é Um Bar com Jukebox, finalista do II Festival de Roteiro Audiovisual (ROTA). Colabora esporadicamente com portais de cultura e arte.
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